"É difícil pensar num mundo onde não existam carros, mas a sua redução e “racionalização” deve ser objetivo das políticas públicas." (Entrevista da deputada Mariana Mortágua)
Se já sabíamos que a prática da partilha de carro ganha cada vez mais adeptos também no nosso país, foi com muito agrado que vimos o tema chegar às mais altas instâncias políticas através do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda que propôs, no final de 2013, uma recomendação ao Governo para serem criados nas entradas das auto-estradas parques de estacionamento para a partilha de viaturas.
“O Bloco de Esquerda deu entrada a um projecto de resolução, que se encontra em discussão na comissão de Economia, para que o Governo institua parques para a partilha de viaturas nas entradas das auto-estradas”, de acordo com um comunicado enviado pela assessora de imprensa do grupo parlamentar, Catarina Oliveira, ao Green Savers.
(Atualização (28/01/2014): o projecto apresentado em finais de novembro de 2013 foi aprovado por todos os partidos.)
A equipa do Boleia.net contatou o BE e teve o prazer de ser recebida no Palácio de São Bento para trocar ideias / propostas sobre este assunto e entrevistar a deputada Mariana Mortágua, uma das responsáveis pela inciativa.
Cara Mariana, o Bloco de Esquerda apresentou recentemente um projeto de resolução ao governo relacionado com o carpooling / a partilha de carro. Pode explicar em que consiste e qual é o objectivo?
O projeto de Resolução do Bloco de Esquerda consiste em recomendar ao Governo que inclua, no conjunto de obrigações das entidades que detém a concessão das auto-estradas em Portugal, a construção de parques de estacionamento com vista à partilha de viaturas. Os atuais parques obrigam à entrada no troço pago da auto-estrada, pervertendo o seu propósito. Por outro lado, algumas das alternativas existentes, criadas de forma informal, não garantem as necessárias condições de segurança aos seus utilizadores.
O objetivo é responsabilizar o Estado e, por sua vez, as concessionárias da gestão de infra-estruturas rodoviárias, pela adoção de um papel ativo na alteração das formas de mobilidade existentes hoje em dia. Para isso é necessário inverter a lógica com que se organizam e gerem estas infra-estruturas: o direito à mobilidade pertence ao cidadão, e não às viaturas per se. A preocupação deve ser a de garantir o acesso de todos e todas ao transporte em segurança, e não apenas aqueles que possuem uma viatura.
Por que razão foi apresentado este projeto?
Parte da resposta já foi dada acima.
Em primeiro lugar, consideramos que é imperativo alterar as formas de mobilidade em Portugal, neste momento muito focadas na rodovia, em favor de alternativas menos poluentes, mas também mais “coletivas” e acessíveis a todos e todas.
Em segundo lugar, para garantir o acesso à mobilidade daqueles que, por via do desemprego, dos cortes salariais e do aumento dos impostos, já não o podem fazer individualmente. Os preços dos combustíveis encontram-se a níveis historicamente altos, e os cortes e encarecimento dos serviços públicos de transportes deixam poucas alternativas.
Em terceiro lugar porque o transito automóvel é o principal responsável pela poluição e emissão de gases de estufa. Não existe uma política de sustentabilidade ambiental que seja compatível com estes níveis de trânsito. A prática de “um carro por pessoa”, se aplicada a todos, é economicamente irracional e ambientalmente irresponsável.
Parte desta alteração implica investir na ferrovia, contrariando a degradação de que foi alvo nas últimas décadas. Portugal tem hoje uma grande parte do seu território onde o comboio não chega e é o único país europeu com uma capital de distrito, Viseu, inacessível por via ferroviária. Perde o ambiente, perdem-se paisagens, culturas e costumes, e perdem as populações locais que ficam dependentes do automóvel para se movimentarem. Implica ainda investir nos restantes meios públicos e coletivos de transporte, para que se possam constituir como alternativas de facto ao transporte individual.
Mas é preciso procurar também outras alternativas. A partilha de carro é uma delas. É difícil pensar num mundo onde não existam carros, mas a sua redução e “racionalização” deve ser objetivo das políticas públicas.
Há muito tempo que os transportes estão entre os principais responsáveis pelas emissões de CO2. Tem conhecimento de propostas que tenham sido apresentadas anteriormente por outro deputado ou partido com o âmbito de desenvolver o carpooling?
Não tenho conhecimento sobre iniciativas anteriores sobre esta matéria.
A partilha de carro é cada vez mais popular em Portugal: na sua opinião, o que explica este facto?
Penso que o facto seja explicado, por um lado, por uma mudança na consciência coletiva relativamente às questões ambientais, mas também por limitações monetárias.
No entanto, há vários anos que este tipo de mobilidade está mais desenvolvido noutros países: como justifica o facto dos portugueses só terem começado a considerar seriamente o carpooling como uma alternativa viável para se deslocarem?
Penso que estará relacionado com a falta de visibilidade destas iniciativas. Os média têm estado, até agora, pouco atentos a estas matérias. Mas deve-se também à inexistência de uma preocupação politica clara e direcionada. As escolhas das ultimas décadas são disso demonstrativas: houve um excesso de investimento da rodovia em detrimento de outras alternativas. O modelo das PPP, ruinoso para o Estado, mas lucrativo para as empresas privadas, aumentou a pressão para que se desse prioridade a estes investimentos.
O que deve ser feito para a partilha de carro se tornar cada vez mais um hábito entre os portugueses?
Divulgar, escalarecer e criar as condições físicas que o permitam. O Estado pode e deve ser responsável por campanhas de sensibilização, pela disponibilização de infra-estruturas, como os parques de estacionamento que agora propomos, mas também pela criação de redes de partilha de carro nos seus próprios serviços.
A senhora deputada já "andou a boleia" (seja como condutora ou passageira) ?
A começar pelos tempos de escola. Vivia a 40km da minha escola, e o comboio ficava a vários kilómetros de distância. Quem vive no interior do país habitua-se desde cedo a encontrar alternativas para a ausência de transportes frequentes. A boleia, mesmo no sentido literal, era a mais comum.
Hoje continuo a não ter carro, por isso ando sempre “à boleia”. Implica uma organização diferente da vida, mas é possível.
O ex-primeiro ministro noruegês Jens Stoltenberg ia para o trabalho de bicicleta. Acha que existem hipóteses de vermos os deputados portugueses darem brevemente boleia uns aos outros para se deslocarem a Assembleia da República?
Bicicleta é possível. Não tenho conhecimento de outros casos, mas no Bloco de Esquerda já houve vários deputados a fazê-lo frequentemente. Eu faço-o de vez em quando.
Relativamente às boleias, não vejo porque não.

Fotos: Paulete Matos
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